Em Foco

PRONTO, UM funcionário da ONU descobriu os responsáveis pela inflação internacional e pela fome no mundo: os produtores de biocombustíveis, entre eles o Brasil.

Não há espaço para pilheria nessa matéria, porque alimentação é certamente o tema mais importante para humanidade, em qualquer tempo. Faço três considerações sobre o assunto:
A primeira diz respeito à fome, uma ameaça séria, que pode atingir até 2 bilhões de pessoas, 30% da população mundial. Mas esse problema não começou hoje nem ontem. É secular e tem sido um flagelo para regiões pobres, principalmente na África.

A segunda consideração é sobre culpados pela elevação de preços e escassez atual de alimentos. Responsabilizar produtores de biocombustíveis por esse problema e acusá-los de crime contra a humanidade, como fez o relator da ONU para o direito à alimentação, Jean Ziegler, é um evidente despautério.

Fatores muito mais importantes explicam distorções na produção mundial e elevação de preços de alimentos. Subsídios oferecidos pelos EUA e pela Europa a seus produtores ineficientes, por exemplo, há décadas forjam preços irreais e impedem países pobres de desenvolver culturas que poderiam elevar a oferta de alimentos. Essa competição desleal é criminosa para com países subdesenvolvidos da África e de outros continentes, porque os obriga literalmente a comer na mão do Primeiro Mundo, mediante doações e programas de ajuda.

Países como Burkina Fasso, Benin, Mali e Chade tiveram suas produções agrícolas sufocadas ao longo de décadas pela concorrência desleal provocada pelo subsídio americano, principalmente no algodão. Barreiras fitossanitárias são a forma da moda para barrar a concorrência de produtores de alimentos de países emergentes. Ainda hoje, a União Européia bloqueia a entrada da carne brasileira no bloco, o que frustra investimentos brasileiros para aumentar a oferta e reduzir preços. Enquanto isso, os londrinos são obrigados a pagar o equivalente a R$ 80 por um quilo de filé, que custa de R$ 15 a R$ 20 em São Paulo.

A enorme alta do petróleo é outro fator que explica a inflação mundial, com efeitos sobre os preços agrícolas via fertilizantes e outros insumos. Além disso, condições climáticas tiveram forte impacto para reduzir as safras na Austrália, na Ucrânia e em vários outros países.

A terceira consideração diz respeito ao Brasil, o maior incentivador mundial dos biocombustíveis. A produção do álcool no país já se mostrou viável. É uma saída para prolongar o ciclo dos combustíveis líquidos, ameaçado pela extinção das reservas mundiais de petróleo. Mas o Brasil deve encarar o problema com humildade. Em alguns casos, reconheça-se, a cana ocupou terras muito férteis. Mas, até agora, seu avanço não prejudicou em nada a produção de alimentos, que segue em expansão. A cana ocupa 5% da área cultivada brasileira, metade para álcool e metade para alimento (açúcar). É preciso, portanto, avançar na produção dos agrocombustíveis, lembrando que a cana concorre direto com áreas de pastagens, que, graça a Deus, temos de sobra.

Generalizações como a do relator da ONU são perigosas e ofensivas. Há grande diferença entre o álcool de cana produzido no Brasil e o de milho, nos EUA, que já destinam 30% da safra desse grão para o combustível. Dar prioridade à agricultura de alimentos é atitude correta e generosa. Mas é intelectualmente desonesto tentar atribuir responsabilidades pela miséria e pela fome a culturas ainda embrionárias de agrocombustíveis.

BENJAMIN STEINBRUCH, 54, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp. bvictoria@psi.com.br

Veja mais